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sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Cicatrizes

Se Neil Gaiman deseja que nós cometamos mais erros, pois eles significam que estamos sempre tentando novas coisas, eu, humildemente, desejo que tenhamos mais cicatrizes.

Se os erros te mostram que você anda tentando, experimentando e ousando, as cicatrizes te lembram o que você em algum momento tentou, experimentou e ousou, e quais ensinamentos tirou de cada vivência.

Não falo apenas de cicatrizes físicas, visíveis na pele, mas sim de todas as cicatrizes que cada um carrega consigo.

Quem tem cicatrizes, em algum momento, arriscou mais do que podia naquele momento, mais do que seu corpo, coração ou mente eram capazes de ousar. A coragem de arriscar e se expor é o que move a vida, junto com os erros.

Quem tem cicatrizes tem histórias para contar e conselhos para dar. Não conselhos de “faça de tal modo”, mas conselhos de “abra seus olhos para esse caminho, ele te prepara surpresas, tanto boas quanto não tão boas”. Uma vez que quem tem cicatrizes sabe que elas são só suas, porque naquele momento o que tentou não coube como deveria, mas isso não significa que não caberá para mais ninguém, ou até mesmo para você em algum outro momento da vida.

E sabe qual a melhor parte da cicatriz? Ela cicatrizou, fechou, reparou o dano feito. Marcou, mas não dói mais. É apenas um gatilho para as lembranças e para as novas tentativas. 

Felicidade não faz mesmo pérola?


Resolvi, por vários motivos pessoais e inquietações internas, que me daria de presente o livro de Rubem Alves chamado Ostra feliz não faz pérola. Confesso que enquanto comprava o livro pensava que o significado desse título era um exagero. Ostra feliz não faz pérola... será que de fato ninguém feliz produz nada de bom?

Duvidei.

O fato interessante é que o termo felicidade me incomodou. Talvez eu diria que a completude não faz pérola. Quem se sente pleno, calmo, completo, não sente necessidade de produzir. Mas, de novo, será?

Grandes gênios no fundo se mostravam incompletos em algo, talvez fosse felicidade, talvez curiosidade, talvez amor.... e daí produziam lindas pérolas como forma de completar esse algo. Mas e os grandes religiosos, pessoas aparentemente plenas e completas que ainda sim produzem algo. Será que nossa afirmativa da ostra está errada nesses casos, ou eles, acima do que parecem, possuem sim seu, mesmo que leve, grau de incompletude?

Complicado.

Mas o interessante é que experimento isso com frequência. O vazio do conhecimento me corroí. Ter uma pergunta e não ter uma resposta me inquieta. A curiosidade é meu pecado. Talvez por isso tenha ido parar na área de pesquisa e da academia. É um deleite ter um insight, uma ideia, entender a resposta de uma pergunta que formulada no meio do café.

Duvidei, mas até pensar com calma. Acho que agora aposto mais no fato de que a falta de completude, seja aonde for para cada um, nos move a produzir algo que almejamos ser belo, ser uma pérola.


Comodismo não é amor

Me interessa o comodismo humano em relacionamentos amorosos. Me instiga como pessoas podem estar claramente infelizes em um relacionamento, e ainda assim insistir que precisam daquela pessoa.

Não que devemos desistir de relacionamentos em situações de crises. Falo mesmo daqueles relacionamentos que se arrastam por anos. Isso mesmo, se arrastam. Literalmente funcionam baseados em reforço intermitente. Passam-se meses de pouca tolerância e um dividir de camas obrigado, e um dia de risos faz parecer que ainda existe felicidade suficiente para manter um romance.

Reforços espaçados, como bem sabe a Análise do Comportamento, são vilões em manter comportamentos sem um esforço diário. Minhas amigas riem, mas eu uso sempre o termo “mijar no poste”. Cachorros sabem bem, e nós também. Não é preciso fidelizar com um ponto, se dedicar a ele, se envolver. Basta ir de tempos em tempos, quando se quer ou quando sente o território ameaçado, soltar umas gotinhas de esperança e deixar tudo como está. Em pleno banho-maria de desespero velado.

As pessoas precisam saber levantar a bandeira branca. Realizar que pouco não é suficiente, que gotas fracas e espaçadas não saciam a sede de um relacionamento. Eu já vivi situações em que realizar esse momento é ruim. Muito ruim. Sufoca por dentro. Mas em seguida, um grande suspiro. O pulmão se enche de possibilidade da liberdade de um condicionamento que já perdeu seu propósito.


Mas só chegamos ai, nesse sufoco-suspiro quando nos damos conta de que esse sofrimento momentâneo vale mais, muito mais, que uma tristeza ou falta de felicidade arrastada. É preciso quer mais por nós mesmos. Realizar que precisamos mesmo é de nós, e que só com nós mesmos, íntegros e felizes é que podemos optar pelo convívio com um par que também esteja íntegro com si mesmo.